O Prêmio Secil Universidades tem como objetivo incentivar a qualidade do trabalho acadêmico e o reconhecimento público de jovens oriundos das Escolas de Arquitectura e Engenharia Civil portuguesas. São atribuídos 5 prêmios na categoria arquitetura. Abaixo um dos vencedores da edição 2011: Arquitetura: URBANDUTO | indutor de urbanidade na Cova da Moura / Luísa Lopes e Rafaela Naia.
MANIFESTO ESTRATÉGICO
O que é um ‘urbanduto’? Uma faixa, um percurso, uma conexão, uma ‘deriva’ urbana numa visão Situacionista; um ‘cordão umbilical’ que pode transformar o Bairro da Cova da Moura num elo estratégico da Amadora e da Lisboa Metropolitana.
Os habitantes do bairro da Cova da Moura não precisam, apenas, de novas casas ou de novos equipamentos, belos objectos de arquitectura encerrados na sua condição de ‘gueto clandestino’, para uns, ou de ‘ilha exótica’, para outros; precisam, antes de tudo, de sentir que são cidadãos de direito, como os habitantes de outros bairros vizinhos.
‘Os da Kova’ querem que o seu habitat se integre, sem paternalismos ou populismos, nessa cidade dita ‘oficial’, e desejam, como qualquer ‘ser urbano’, utilizar os equipamentos e as infra-estruturas em seu redor, de modo qualificado: estações ferroviárias mais (pluri)funcionais, centros cívicos mais ecuménicos, escolas mais acolhedoras, centros de dia e creches mais inter-classistas, pavilhões e campos desportivos mais polivalentes, parques e jardins mais abertos à comunidade.
Neste sentido, e como estratégia de turma, optamos por estabelecer e desenvolver sete conexões físicas, sete ‘derivas’ urbanas, enfim, sete urbandutos entre a Cova e as suas envolventes: Damaia, Alfragide, Buraca, Monsanto, Benfica, Falagueira e Reboleira.
A necessidade de desenhar uma frente urbana para o bairro, a existência de um edifício de valor patrimonial e a possibilidade de romper a barreira física do IC19 funcionaram como motivação para desenhar um urbanduto capaz de aproximar bairros, gerar vivências comuns, potenciar relações. Este estrutura-se segundo dois pontos nevrálgicos: a criação de um novo conjunto de apoio social à população, formado por Centro de Dia, Lar, e Creche; e a reconversão da antiga Quinta do Outeiro, para instalação de um Centro de Cultura Crioula e Residência Temporária para criadores.
Estes vivem da relação com outras estratégias e programas, de menor ou maior escala, que em conjunto se vão estendendo pelo território criando um todo mais coeso.
O que é, afinal, um urbanduto? Um indutor de urbanidade.
MANIFESTO PROJECTUAL
A frente sul da Cova da Moura resulta do confronto entre mosaicos urbanos, de escala e morfologia contrastantes, que cresceram encerrados sobre si mesmos. O nosso urbanduto parte desse interior ‘orgânico’ e estende-o para lá do IC19, lançando uma nova linha de mobilidade, entre espaços públicos e equipamentos de proximidade. Não se pretende criar uma ‘fachada nova’ para a ‘Kova’, escondendo aquilo que o bairro tem de característico; procura-se, antes, induzir uma nova urbanidade que integre a sua escala e morfologia, num desenho potenciador de permeabilidades e conexões.
Agarrado ao terreno, surge o edifício do Centro de Dia e Lar de Idosos – por substituição do ali existente –, um bloco telúrico, ‘escavado’ por pátios e fendas a que correspondem percursos pedonais. Estes reforçam a relação do edifício com o espaço público e com o campo de jogos, formando um todo unitário. No mesmo sentido, a nova Creche – que também substitui a actual – é gerada por sucessivas plataformas, prolongando o perfil urbano e a vivência de rua que marcam o bairro.
Este urbanduto ‘sinuoso’ desenha ainda uma praça aberta no contacto com a Damaia e a cobertura de um novo parque de estacionamento de apoio à Kova. Depois, transforma-se numa ponte pedonal que atenua o carácter de ‘barreira urbana’ da Avenida da República, conduzindo-nos até à Quinta do Outeiro. A proposta tira partido do carácter simbólico desta propriedade, prevendo a sua reconversão num Centro Cultural relacionado com as artes e as raízes crioulas, incluindo uma residência para criadores, salas de exposição, auditório e ‘black-box’ para artes performativas. Semi-enterradas, estas últimas valências, alinham-se ao longo de uma parede-barreira sonora que protege o conjunto da presença do IC19, e que se prolonga, sob esta via, num novo contínuo de espaços de usufruto público – parque de skating, passeios e jardins urbanos –, integrando e requalificando, por fim, o topo norte do bairro de Alfragide.
Sim, ‘falemos de casas’, embora encarando a cidade como a maior de todas elas.